
ando por mais uma gripe daquelas de deitar o vivente, lembrei da sensação de acordar com alguma indisposição e anunciar, quando a mãe tocava no ombro para tirar a filharada da cama na hora do colégio: "Não posso ir à aula, fiquei doente".
Aí a gente cresce e, nas gripes cada vez mais cascudas e inconvenientes, dá saudade de voltar no tempo e ficar deitada de olhos fechados, o corpo exalando um calor estranho que deixa os lençóis úmidos, e que bom se desse para a mãe ligar para o chefe e dizer que não, hoje ela não pode sair, ficam para amanhã as tarefas urgentes, era assim no colégio e sempre funcionou.
A doença em questão poderia ser uma gripe ou um enjoo, poucas vezes foi algo mais sério. Enquanto a mãe buscava o termômetro para conferir se a moléstia não ava de corpo mole, eu ficava na torcida para ter febre, só o que podia me manter na cama em um dia letivo. Acho que essa era a lei na época, o que explicava os alunos abatidos e ranhentos que mal conseguiam prestar atenção nas contas que a professora fazia no quadro. Sem febre, por mais forte que fosse a gripe, não se faltava à escola. E também não entrava nada na cabeça, que pendia, pesada, até cair na classe - mas sem fazer barulho. Estava oca.
Quando o termômetro marcava uma febre inocente de 37ºC, era o paraíso. Uns 36,8ºC, com chuva ou frio extremo, já serviam. Em vez de sair da cama para uma manhã gelada, virar para o lado e dormir de novo depois do beijo preocupado da mãe. Quer dizer: antes vinha a Novalgina em gotas.
Por alguma razão incompreensível para uma criança, minha mãe desprezava o Melhoral infantil, comprimido de sabor até agradável, e só nos medicava com Novalgina em gotas. Chegava aquele meio copo de água amarelada e a simples visão dele já me dava vontade de vomitar, o que transformava uma ocasião tão perfeita quanto matar aula com álibi em estresse. Quando a primeira versão falhava, era a vez de se tentar as gotas em uma colherinha com açúcar. Eu vomitava. A Novalgina aparecia em um copo com menos água e muito açúcar. Eu vomitava também. A essa altura, a paciência da minha mãe já havia acabado. Ela segurava a minha boca e pingava as gotas lá dentro, direto na goela, acabando com o drama. Depois disso eu podia dormir, mas onde estava o sono depois de tanto fiasco?
Aí a gente cresce e, nas gripes cada vez mais cascudas e inconvenientes, dá saudade de voltar no tempo e ficar deitada de olhos fechados, o corpo exalando um calor estranho que deixa os lençóis úmidos, e que bom se desse para a mãe ligar para o chefe e dizer que não, hoje ela não pode sair, ficam para amanhã as tarefas urgentes, era assim no colégio e sempre funcionou. Esse é um sonho que termina com você no banho, tentando ressuscitar para não chegar tão tarde ao trabalho. Enquanto repete - pela centésima vez - que, em 2020, vai se vacinar contra a gripe. Antes de ir embora, a na cozinha e toma um comprimido de Novalgina.
Pelo menos não é mais em gotas.
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Vem aí o Dia das Crianças e a Locare, que aluga móveis e objetos para as festas da cidade, vai repetir uma ação que juntou milhares de brinquedos para os pequenos no ano ado. Para participar dessa iniciativa realizada em conjunto com as comunidades da Restinga e da Lomba do Pinheiro, é só ar na Avenida das Indústrias, 490, e deixar um brinquedo. É assim que a festança vai ser maior ainda.