Alguns jovens a conhecem apenas como a “mulher do meme”, mas esse título é pequeno demais para definir quem é Renata Sorrah. Um dos grandes nomes atuação brasileira, a carioca de 78 anos interpretou personagens icônicas na TV – como Heleninha Roitman, a filha alcoólatra da manipuladora Odete Roitman em Vale Tudo (1988); Zenilda, a dona do bordel em A Indomada (1997); a temida Gláucia em Geração Brasil (2014), entre outras.
Além das novelas, Renata Sorrah também construiu um legado sólido no teatro – e será nos palcos que os gaúchos poderão conferir um pouco desse talento, na peça Ao Vivo [Dentro da Cabeça de Alguém], que faz parte da programação do 19º Festival Palco Giratório Sesc. A montagem é escrita e dirigida por Márcio Abreu e será apresentada nos dias 4 e 5 de junho, às 20h, no Teatro Simões Lopes Neto. Ingressos disponíveis neste link.
Livremente inspirado no clássico A Gaivota, de Anton Tchekhov, o espetáculo parte da trajetória da artista para revisitar sua carreira, fazendo alusão à montagem da peça russa da qual participou em 1974 como a personagem Nina.
— Essa peça teve uma origem complexa, pois se baseia nas minhas histórias pessoais. Uma delas aconteceu quando estava dirigindo para um ensaio e tive uma epifania: foi como se minha cabeça se abrisse para uma clareza sobre quem somos e o significado da vida. Lembro que falei: “Meus Deus! Mas é tão simples e a gente complica tudo. Isso é muito Tchekhov” — relembra Renata.
Sempre considerei o público de Porto Alegre um dos melhores do Brasil. É um público atento, inteligente, uma referência para todos os atores.
RENATA SORRAH
Atriz
O trabalho do dramaturgo russo é uma paixão em comum entre Renata e Márcio. Ao ouvir o relato da amiga, o diretor logo quis transformar essa experiência em uma peça teatral, tamanha a intensidade do momento.
— Tchekhov coloca a gente num patamar de sensibilidade, que você aflora coisas que não está esperando, sabe? Então foi um dos condutores da peça Dentro da Cabeça de Alguém. São os sonhos, as memórias, as lembranças que você tem, as ideias mais simples e complicadas. A gente também fala de assuntos contemporâneos – etarismo, machismo, transfobia, política, finitude — cita.
Mas é impossível falar de Renata Sorrah sem lembrar da inesquecível vilã de Senhora do Destino (2004). Nazaré Tedesco foi a responsável por tornar a atriz mundialmente conhecida como a "confused lady doing math" — meme que, até hoje, gera engajamento entre diferentes gerações.
Esse é o DNA que está na minha cabeça: de seguir com esse frescor pela vida.
RENATA SORRAH
Atriz
Apesar da brincadeira, a personagem se tornou uma das mais importantes da dramaturgia brasileira, sendo lembrada não apenas por suas maldades, mas também pelo bom humor.
— A Nazaré se achava maravilhosa, tinha autoestima lá em cima. Foi uma criação brilhante de Aguinaldo Silva. Hoje, seria cancelada por suas ações, mas, na época, as pessoas se divertiam com suas trapalhadas. Me lembro que, às vezes, nas gravações, se tinha algum figurante, eu já pedia desculpas antecipadas pois iria falar absurdos em cena. Mas elas adoravam e diziam: "Pode falar que a gente gosta" — relembra a atriz.
Em entrevista a Donna, Renata Sorrah fala mais sobre sua carreira, os memes, as comparações entre as versões de Vale Tudo e revela o que se a “dentro de sua cabeça”.
Confira a entrevista com Renata Sorrah
Você está retornando a Porto Alegre com um espetáculo após sete anos. Quais são as suas expectativas para esse reencontro com o público gaúcho?
Já fiz muitos espetáculos em Porto Alegre. O último, se não me engano, foi Preto, com a Companhia Brasileira, no Theatro São Pedro. Dona Eva (Sopher) era muito querida. Me lembro também, há muito tempo, da peça Lágrimas Amargas de Petra von Kant, que fiz com Fernanda Montenegro e Juliana Carneiro da Cunha.
Fomos a Porto Alegre com Um Grande e Pequeno, uma maravilhosa peça de Botho Strauss dirigida por Celso Nunes. Também levamos Noite de Reis, de William Shakespeare. Sempre considerei o público de Porto Alegre um dos melhores do Brasil. É um público atento, inteligente, uma referência para todos os atores.
Ao Vivo [Dentro da Cabeça de Alguém] busca provocar no público a mesma epifania que você viveu?
Sim, muitas pessoas me dizem que a peça abre portas, traz à tona verdades profundas. Alguns choram, emocionam-se, trazendo à tona suas próprias memórias e experiências. Minha filha (Mariana Simões), por exemplo, assistiu à estreia em São Paulo e chorou muito, sem saber exatamente o porquê. A peça provoca reflexões profundas.
Aproveitando a liberdade poética da peça: o que se a na cabeça de Renata Sorrah hoje?
O que está na minha cabeça é sempre buscar novas formas de aprendizados e desafios, recusando a me acomodar com minhas realizações adas. Minha profissão é minha paixão, é minha vida. Me fez crescer, me deixa forte e me dá muito prazer.
Também está (na minha cabeça) minha filha, meus netos, meus amigos. Você não abre mão disso. Acho que esse é o DNA que está na minha cabeça: de seguir com esse frescor pela vida.
Suas citações de autores me lembram a Wilma de Vai na Fé (2023), que sempre trazia referências teatrais. Como foi interpretar essa personagem?
Eu amava a Wilma, foi um desafio adorável. Rosane Svartman, autora da novela, fez um trabalho maravilhoso. O elenco era unido, e interpretar uma atriz que não é mais chamada para papéis principais, mas acredita que faria melhor que outras atrizes, foi interessante.
Ela dizia assim: "Se eu tivesse feito a Carminha (de Avenida Brasil), faria muito melhor. Eu era a escolhida, mas não pude fazer, e chamaram a Adriana Esteves”. Era engraçado isso.
Com o remake de Vale Tudo, seu nome tem sido muito citado por conta da Heleninha Roitman. A Paolla Oliveira conversou com você sobre interpretar esse papel?
Sim, Paola veio assistir a uma sessão da peça em São Paulo e conversamos sobre o papel. Disse a ela que é uma personagem maravilhosa e que estava certa de que ela ia se sair bem.
Ela é uma boa atriz e estudiosa. iro sua dedicação e personalidade. Heleninha foi uma personagem que gostei tanto de fazer. Sempre tem uma pontinha de ciúmes, mas isso já foi há tanto tempo.
Vale Tudo é uma novela emblemática. O que representa para você hoje?
Foi uma novela crucial para época, refletindo o Brasil daquele momento, em que as pessoas diziam: "Quem sair por último apaga a luz". Então sabe quando você está na hora certa, no lugar certo, com as pessoas certas? Aquele era nosso momento para fazer a novela. Foi muito importante. Considero um dos melhores textos já escritos na televisão. É gratificante ver uma nova geração reinterpretando o texto com excelentes atores. É interessante como o texto ainda ressoa após 36 anos.
O que você acha das comparações entre as versões de Vale Tudo que estão sendo feitas nas redes sociais?
Não acho produtivo comparar. Acho chatíssimo e perda de tempo. Cada versão tem seu contexto e elenco. Prefiro focar nos aspectos positivos, como a inclusão do casal LGBT e as protagonistas negras. Então vamos falar dessas coisas positivas.
Como é sua relação com as redes sociais? Costuma acompanhar a repercussão de seus trabalhos, novelas, entrevistas?
Tenho conta no Instagram, mas uso apenas para trabalho. Geralmente, meus seguidores são agradáveis, dizem coisas bacanas. É raro alguém ser desagradável. Mas fico preocupada como os jovens estão usando as redes sociais, ficando muito solitários.
As pessoas têm necessidades de encontrar outras, de conversar, de olhar no olho, de abraçar. A internet tem avanços maravilhosos, como fazer pesquisas, falar rápido com alguém, pedir uma ajuda, essas coisas eu adoro.
Sabe quando você está na hora certa, no lugar certo, com as pessoas certas? Aquele era nosso momento para fazer "Vale Tudo". Foi muito importante.
RENATA SORRAH
Atriz
Você leva numa boa os memes da Nazaré?
Eu sou totalmente um meme. A Nazaré virou um meme mundialmente conhecido. Nunca teve nada ofensivo. Uma vez, durante um festival em Curitiba, muitos jovens estavam em um bar e eu ei perto e falaram: “Olha aquela mulher do meme”. Eu tinha acabado de fazer uma peça difícil, mas para eles, eu era a mulher do meme. Mas está tudo bem. Acho divertido.
Você se considera vaidosa como Nazaré?
Sou vaidosa na medida certa. Cuido da minha saúde e bem-estar, gosto de atividades diurnas como ginástica e andar de bicicleta. Pode parecer bobagem, mas sou vaidosa da pessoa que eu sou.
O que lhe ajuda a recarregar as energias nos momentos de pausa?
Além de todos esses exercícios, leio, encontro amigos e a família, vou ao cinema, gosto de grandes diretores como os do cinema coreano e brasileiro.
Como vê os avanços das mulheres no meio artístico?
As atrizes sempre levantaram bandeiras, estão sempre na frente, mostrando o caminho, dizendo “Chega, não dá mais”. Têm liderado movimentos como o MeToo, iluminando o caminho para a igualdade e destacando questões de representatividade.
Quanto ao etarismo, você acha que houve avanços na abordagem de papéis e quebra de estereótipos?
Estamos aprendendo a valorizar as histórias e sabedorias que vêm com a idade. A gente aprende a envelhecer. A idade, a sabedoria, o tempo, teu rosto, tudo são histórias preciosas. Sempre haverá papéis significativos para todos os estágios da vida. Quem diz o contrário, está falando besteira.