
Entre Serafina Corrêa e Marau, Montauri, um pequeno município da Serra gaúcha com 1.499 habitantes é reconhecido, pela segundo recenseamento seguido, o município com mais católicos do país.
É o que revela o Censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, divulgado neste mês, apontando as preferências do gaúcho quando o assunto é religião. A estatística aponta ainda que dentre os 10 municípios mais católicos do Brasil, nove são gaúchos, incluindo União da Serra e Vespasiano Corrêa, vizinhos de Montauri.
Segundo o IBGE, são 1.343 católicos em Montauri, ou seja, 98,32% da população professando a mesma fé em Jesus Cristo, reconhecendo como principal líder o Papa Leão 14. É como se houvesse uma igreja para cada 115 habitantes.
Os católicos seguem à frente do ranking, como a religião mais popular do Brasil, mesmo que venha perdendo seguidores na última década. Em 12 anos, de acordo com os dados do Censo Demográfico, houve redução de oito pontos no percentual de católicos apostólicos romanos. Eram 65,1% da população brasileira em 2010 e, atualmente, representam 56,7%. Por outro lado, os que se consideram evangélicos cresceram 5,2% entre os censos e correspondem, atualmente, a 26,9% da população.
A maior ocupação de imigrantes italianos pode ajudar a explicar a estatística das religiões no município, emancipado há 37 anos.
— Dificilmente o italiano caminha para outro lado, em cidades com maioria alemã, vemos muitos luteranos, por exemplo — comenta o pároco Valcir Rizzardi, 64 anos.
Há cinco anos em Montauri, o padre visita todos os meses as 12 comunidades espalhadas pelo interior do município, que tem como maior devoção Nossa Senhora de Lourdes e Caravaggio e também São José.
— Nas quartas feiras as missas são preparadas pelo pessoal da terceira idade, a comunidade vive e busca a fé, não são todos, mas de fato a maioria tem a religião com um dos pilares da vida em Montauri.

Há 13 anos, de março a novembro e sempre no dia 27, a igreja matriz se abre para que os fiéis de Nossa Senhora das Graças rezem o terço das rosas em sua honra. A novena foi criada pela comerciante Maria Salete Meneguzzi, 69, ex-vereadora do município e catequista há 21 anos.
— São pessoas de muita fé, no último terço, em novembro, no dia de Nossa Senhora das Graças a igreja se enche, é bonito de ver as pessoas agradecendo — conta.
Na mesma igreja, ao lado esquerdo do altar está sepultado o padre Valentin Deon, morto em 1997, pároco por mais de 20 anos na cidade e que dá nome a praça central. A ele, Maria Salete e o marido, Antônio Meneguzzi, coordenador da liturgia, atribuem mais de um feito.
— Eu sou testemunha. Uma tarde, enquanto a gente tomava chimarrão, o tempo se fechou e ele me disse para ficar tranquilo. Deu uma saída, quando voltou o tempo se abriu, foi quando me disse que cairia um temporal em Montauri se o pegasse dormindo — lembra Meneguzzi.
Para a esposa, foi pela doença da filha que o padre intercedeu:
— Ela teve câncer, retirou o tumor e se curou. Aqui na igreja sempre tem quem deixe flores e acenda velas por ele.

Primeira igreja evangélica foi aberta em Montauri em 2019
No município onde se concentra o maior percentual de católicos também tem espaço para a fé dos evangélicos, religião que não crê em santos representados por imagens e estátuas.
São 18 pessoas que desde 2019 contam com o primeiro local fixo a prosperar na cidade para celebração dos cultos.
Em uma sala alugada, distante meia quadra da Igreja Matriz São José está a placa que indica o local da Assembleia de Deus. Quem faz o papel de pastor é o presbítero João Paulo Spada, 43 anos, morador de Montauri, criado na religião católica e influenciado pela esposa a seguir o evangelho.
— Minha mãe estranhou quando disse que iria casar, não sabia como seria a celebração. Somos 1,3%, mas que ótimo, fiquei dez anos sem divulgar minha preferência por vergonha, por pensar no que os outros achariam, mas os demais não tiveram isso no censo, foram verdadeiros.
O pequeno grupo que difere da religião majoritária do município foi, assim como Spada, influenciado pela família de Claudete Araújo Souza, 66, que chegou em Montauri, de saia e cabelo comprido, há 24 anos.
— A igreja foi se modernizando e comecei a usar calça, mas sim, as pessoas achavam um pouco estranho e além do mais não participamos de festas juninas ou de padroeiros, tradicionais por aqui. Minha filha mais nova pedia o que fazer quando rezavam na escola e quando sentíamos falta, íamos congregar em Serafina Corrêa. O João conheceu minha outra filha, começou a ir conosco e permaneceu, Deus fez a obra na vida dele.
A relação entre as religiões é, segundo seus praticantes, de perfeita harmonia. Cultos e missas, inclusive, ocorrem de forma simultânea, às quartas-feiras separados por uma distância de cerca de 500 metros.
— Sabemos que tudo que acontece aqui é ageiro, creio que todos nós devemos acreditar que o poder maior seja necessário. Ele existe e se armos nossos problemas para Deus, Ele irá nos auxiliar — completa Spada.
Veja o ranking das cidades mais católicas do país:
- Montauri (RS) - 98,32%
- Centenário (RS) - 97,77%
- União da Serra (RS) - 96,73%
- Vespasiano Corrêa (RS) - 96,70%
- Nova Alvorada (RS) - 96,60%
- Coqueiro Baixo (RS) - 96,42%
- Barra do Rio Azul (RS) - 96,37%
- Progresso (RS) - 96,33%
- São João do Oeste (SC) - 96,22%
- Itapuca (RS) - 96,13%
Nova Petrópolis é a cidade mais evangélica da Serra
Os dados do Censo do IBGE 2022 referentes às religiões, divulgados no início de junho, levam em conta os residentes no país com 10 anos ou mais. No Rio Grande do Sul, assim como em Montauri, a maior parte da população segue a católica, com a parcela de 60,6%. Em segundo, aparece a evangélica, com 21,4%.
Contudo, os dados demonstram uma redução da população católica no RS, que em 2010 era 69,3% dos gaúchos. Já a evangélica teve um avanço, uma vez que no penúltimo censo tinha representatividade em 18% do Estado.
Na Serra, quatro cidades estão acima da média estadual quando trata-se da população evangélica: Cambará do Sul, Nova Petrópolis, Picada Café e Pinhal da Serra. Entre elas, a com maior representatividade é Nova Petrópolis, com 38,06% da população (cerca de 7,8 mil dos 20 mil habitantes acima dos dez anos). Enquanto isso, quase 11 mil moradores seguem a Igreja Católica Apostólica Romana, 249 são espíritas e 79 estão na Umbanda e Candomblé.
Em seguida aparece Picada Café (32,46%), Cambará do Sul (26,73%) e Pinhal da Serra (26,55%). A pastora da Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Nova Petrópolis, Débora Ramlow, analisa que historicamente o município sempre possuiu uma população evangélica maior por conta da cultura alemã:
— No nosso município, temos muitos descendentes de imigrantes alemães (tradição germânica ligada ao luteranismo), vide o título que Nova Petrópolis recebe, a cidade mais germânica da Serra gaúcha. Temos também aqui o trabalho social e comunitário dessas igrejas, como o hospital, por exemplo, fundado e mantido por senhoras da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. A tradição é algo forte e que leva as pessoas a pensarem duas vezes antes de mudarem de religião.
Até por conta da tradição local, Débora acredita que o município não segue o mesmo contexto do Brasil, em que uma migração entre religiões poderia explicar o aumento no número de evangélicos.
— Isso faz menos sentido numa região historicamente mais evangélica, devido à população que se instalou aqui já ter trazido em sua origem o "ser evangélico" (protestante) — descreve.
Outro motivador mencionado pela pastora para que Nova Petrópolis mantenha e até aumente essa parcela é o trabalho de uma equipe ecumênica, que reúne mensalmente representantes de diferentes denominações cristãs, como também a Igreja Evangélica Luterana do Brasil, Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Assembleia de Deus, Igreja Cristianismo Decidido e Igreja Batista.
Débora relata que o grupo participa das celebrações e festividades que acontecem na cidade, como Festival do Folclore e Magia do Natal, e promovem encontros como o Dia da Bíblia, no segundo domingo de dezembro, em que um culto em conjunto ocorre na Rua Coberta.
— Acredito que a união das igrejas também colabore para que, no nosso município os evangélicos continuem se mantendo e até aumentado o número de participantes — conclui.
Sete cidades com população que segue tradições indígenas

Outro cenário verificado nos dados do IBGE é de que das 49 cidades da Serra, apenas sete tem o registro de grupos da população que seguem as tradições indígenas. Proporcionalmente, o maior grupo está em Canela, com 69 pessoas (ou uma representação de 0,16% dos habitantes). Os outros municípios com representação são São José dos Ausentes (0,08%), Pinto Bandeira (0,07%), Picada Café (0,06%), São Francisco de Paula (0,05%), Gramado (0,04%) e Caxias do Sul (0,01%).
Em Canela, a cidade com maior representatividade conforme os dados do instituto, está a tribo Kógunh Mág. O cacique Maurício Ven-tãin Salvador relembra que no município existe um trabalho de preservação da religião e da cultura que existe pelo menos desde 2005 com os caingangues, e que foi reforçado com uma nova abordagem a partir de 2018.
O início foi com a reinvindicação de uma área de origem dos ancestrais da aldeia, na Floresta Nacional de Canela (Flona). Junto disso, começaram estudos antropológicos e levantamento de documentação histórica.
O cacique destaca que a documentação resgata a história de Canela, relembrando que os indígenas foram os primeiros habitantes do município. Hoje, a tribo também conta com apoio de coletivos e ativistas nesse trabalho.
— Junto com isso, nós fomos criando uma política voltada às populações indígenas aqui em Canela. Então, viemos fortalecendo cada vez mais isso, buscando espaços, mostrando realmente a questão da nossa luta, que é, principalmente, o fortalecimento da nossa cultura em si, das nossas tradições, dos nossos costumes, mas também o reconhecimento do nosso território, e também que isso seja respeitado — explica o cacique.
Curiosidades
- Em Caxias do Sul, os católicos são maioria, com 68,37% da população - ou cerca de 280 mil pessoas. Depois, aparecem os evangélicos (17,07%), que estão em cerca de 70 mil fiéis.
- No município, há ainda seguidores da religião Espírita (2,73%) e Umbanda e Candomblé (2,33%).
- Por proporção, Caxias é a cidade com mais espíritas (são 11 mil na cidade) e praticantes de religiões de matriz africana (são cerca de 9,5 mil).
- Vale observar que o RS é o Estado com maior proporção de praticantes destas religiões. A representatividade é de 3,2%, ou cerca de 306 mil pessoas.
- O censo de religiões do IBGE demonstra outros cenários na Serra. Entre eles, Gramado é o município com a maior parcela de não religiosos, com 9,19% da população.