
O que seria, para você, um dia perfeito? Quando Fátima Bernardes me fez essa pergunta, durante uma entrevista, me veio à mente o filme Dias Perfeitos, de Wim Wenders, que conta a história de um japonês solitário e metódico, que repete todo dia a mesma rotina. No cinema, resultou em uma pequena joia, mas há outras perfeições a buscar.
Um atual dia perfeito seria almoçar com minhas duas filhas, escrever um texto inspirado durante a tarde, e à noite namorar em frente à lareira – se eu tivesse o elenco completo a mão, o que não tenho. Ou: dar uma caminhada pela manhã escutando minha playlist, almoçar com amigas que me fazem gargalhar e depois ler o novo livro do Edouard Louis de enfiada. Ou: acordar após oito horas de sono ininterrupto, receber um convite de trabalho espetacular e sair para comemorar com o melhor amigo.
Dá para melhorar? Aeroporto, claro. Carimbar meu aporte é sempre garantia de um dia perfeito. Aterrissando, ir direto para o novo lar da minha filha mais velha, levando ingredientes para um piquenique no chão, pois ainda faltam móveis, e depois ir com ela à exposição do David Hockney, ingressos já comprados, e no início da noite jantar com o Dinho em algum restaurante que ele vai escolher, já que meu amigo mora em Paris há mais de 20 anos. Sexta-feira que vem será um dia perfeito.
Ou: encontrar Marcia na estação ferroviária de Lausanne, onde ela mora, caminharmos até a beira do lago sem parar de conversar e depois fazer um eio de carro até Vevey, escutando jazz e apreciando a paisagem, e lá entrar numa loja para comprar dois castiçais idênticos, um para cada uma, nossa aliança intercontinental, e à noite, voltar para seu apartamento, onde Bernard já terá aberto o vinho e esquentado o queijo para o fondue. Um dia perfeito que já aconteceu anos atrás e irá se repetir.
Ou: conhecer o barco onde Shayla mora nos canais de Londres. Ela tirará um dia de folga do trabalho e me levará para navegar, e irá me mostrar um outro jeito de viver, e à noite iremos a um pub regar nossas filosofices com cerveja e fazer um brinde à música brasileira, que é a única coisa que ela sente saudade daqui, além de mim, espero, e do meu inglês vacilante, do qual ela não debocha, ao contrário, mente que melhorou muito.
Ou: acordar em uma cidade desconhecida qualquer, trilhar pelas ruas com minha mochila nas costas, esquecer que existe relógio e rede social, me sentir inteira na própria companhia e disponível para o que esse dia perfeito se disp a entregar. Talvez até entregue alguém que seguirá viagem comigo, a vida comigo, vá saber. Um dia perfeito depende apenas de um estado de espírito perfeito, com mistérios e confirmações caminhando lado a lado.