Eu só queria um fragmento da realidade que justificasse uma crônica. Só um. E isso é pedir muito? Poderia ser a cordialidade do freguês que cede seu espaço na fila do supermercado? Poderia ser o pai que abraça o filho lhe desejando uma boa aula sempre que o deixa na porta da creche? Poderia ser aquela senhora da floricultura que sugere arranjos e folhagens como se esquadrinhasse a alma da pessoa? Ou poderia ainda ser o sorriso de um casal apaixonado com cara de novela das seis?
Poder pode, mas o tempo é curto pra seguir o curso da vida dessas pessoas e extrair dessa observação algo que justifique uma crônica.
Ontem (e pouco importando quando era esse “ontem”) bati o olho numa crônica do Paulo Mendes Campos _ aliás, um dos meus preferidos e que, se estivesse vivo teria completado 100 anos neste folclórico 2022 _ e já no título caí no conto irresistível da leitura. Afinal é ou não curioso: “Às vezes tenho vontade de...”. Pois é, com reticências e tudo...
E o Paulinho tratou logo de pontuar a trivialidade, uma espécie de terreno fértil pra fazer brotar uma boa crônica: “Às vezes tenho vontade de entrar, sentar-me no degrau da varanda, beber um refresco, conversar bobagens com eles. Seguramente são felizes. o por lá várias vezes por dia, em horas mais diversas. Sempre um grupo deles conversa na varanda”.
Quem nunca quis chutar pro alto a urgência de uma crônica, mandar avisar que tem de sair mais cedo do trabalho por “motivo de força maior”, ou então dizer pra secretária do médico que o check-up fica pro ano que vem, depois do Carnaval. Toda desculpa é válida quando o assunto é priorizar a vontade de sentar-se na varanda pra tomar um refresco e conversar bobagens.
Não sei vocês, mas tenho ado mais tempo esquadrinhando (ou seria driblando) o id, o ego e o superego, sentado numa poltrona confortável dentro de uma sala com pouca luz e muita revelação, que tenho esquecido do prazer que há no simples fato de me sentar numa escadaria de uma varanda e só conversar bobagens.
Não por nada viu, e falo por mim, sem meter ninguém nessa canoa (furada), mas acho que tenho ado mais tempo “discutindo as relações” e “apagando incêndios” do que aproveitando das companhias que a vida tem me presenteado. E já que a vida é um sopro, preciso tratar logo de entender mesmo é pra onde sopram os ventos da bonança, já que o dito popular afirma que depois da tempestade vem a calmaria.