Sabe aquele drible desconcertante, à moda Garrincha, deixando o zagueiro sem pai nem mãe? Pouco importa se resulta em gol, o lance em si leva a torcida ao êxtase, um tipo de prazer que vale cada centavo investido pra ver a bola rolar. Então, ousadia ou cara de pau?
E aquele guri, tímido, no canto da sala, reconhecido como o mais feio da escola (e nesse quesito tenho lugar de fala), que se levanta no meio da aula de Matemática pra entregar um bilhete recheado de coraçõezinhos à guria mais linda da escola? Ousado? Ou um baita cara de pau?
Noite e dia, madrugada adentro, do campo à cidade, sob o asfalto quente ou deslizando na lama da estrada de chão, os relatos de gloriosa ousadia e descarada cara de pau surgem como mosca orbitando o lixo. A interpretação, por vezes, é controversa, mas resulta quase sempre em tragicomédia.
Ah, lembrei de outro ambiente onde brotam versões mais à ousadia ou mais à cara de pauzisse, as famosas redes sociais. Tá bem, a gente sabe que o negócio das redes é a galera dar likes e compartilhar, porque dá até pra ganhar dinheiro sendo ousado ou cara de pau. Nas redes, a seriedade é broxante, não é?
Então, a primeira cena que recordo é de um mini-coach ensinando outros mini-aprendizes a ganharem seu primeiro milhão. Com desenvoltura e ironizando o sentido da educação, naturalmente, dizendo isso tudo resvalando no plural ou na concordância verbal, a gurizada faz escola. Diz aí, tu que já viu um vídeo como esse: pura ousadia juvenil ou tremenda cara de pau?
E nas firmas, Mugnol? Opa, rola também esse duelo. Confesso que nunca vi, mas me contaram. Por exemplo, reza a lenda que tem muito chefe do mais alto gabarito que cobra uma estratosférica meta financeira pro consultor comercial sem nunca ter chegado perto do objetivo. Pode isso, Arnaldo? Pode, sem querer te influenciar no veredicto, mas a postura de um chefe desse quilate é digno de um drible de craque. Né, não?
Por mim, ficaríamos dias e noites (e madrugadas) lembrando de cenas mais à ousadia ou à cara de pauzisse. No entanto, contudo, todavia, como escrevia Plínio Marcos — um baita dramaturgo que a gente brasileira nem mais se lembra que um dia existiu — tenho que voltar ao trabalho. Inté. Fui.
P.S.: Antes de ir, lembrei de mais uma. Dois Perdidos numa Noite Suja, peça escrita pelo Plínio, foi adaptada para o cinema duas vezes. Ousadia, né? Pois é, só que na segunda versão, dirigida pelo José Joffily, a trama súper brazuca foi adaptada pra se ar em Nova York, com os personagens sendo imigrantes brasileiros nos EUA. Bah, Zé, baita sacanagem, digna de um cara de pau.